DA FRANÇA PARA O BRASIL

por Edson Silva* 

            O que a França e o Brasil têm em comum no século XVIII e XIX? Alguns escritores relatam que o Iluminismo teve uma forte penetração na colônia brasileira e das muitas revoltas que ocorreram, a mais consequente foi a Inconfidência Mineira, que foi a primeira a levar os brasileiros a consciência política e social. O apoio veio da França.
Segundo os arquivos nacionais brasileiros, a França teria estabelecido no inicio do século XIX uma colônia no Rio de Janeiro onde estava a Corte Real e que era o centro das atenções das artes, letras e ciências. Com receios de ideias revolucionárias, o governo brasileiro vigiava de perto os franceses. Por muito tempo os imigrantes franceses transitaram no Brasil, o comércio cresceu, as artes e ciências tomaram outro vulto e a bela França consegue um tratado de “amizade, navegação e comércio”.
Com idas e vindas, foram ficando ilustres pensadores e cientistas franceses, dentre eles um que implantou estudos sobre o magnetismo animal, mesmerismo, nome dado ao precursor desta pesquisa Mesmer; esses estudos tiveram outra dimensão. Quando a escola de medicina do Rio de Janeiro se interessa pelas pesquisas de cunho científico e as mulheres francesas que se aventuravam a serem instrumentos desse estudo colocando-se como sonâmbulas.
Na metade do século XIX está constituído um grupo de adeptos de prestigio a esta corrente de estudos. No ano de 1840 Benoît Mure chega ao Brasil para uma missão muito mais social que médica, a de “homeopatizar” um mundo virgem e carente de novos rumos. O Imperador Pedro II concede a Mure um local onde monta seu falanstério francês. Com a morte de Mure este falanstério não sobrevive. Mas o médico João Vicente Martins seguidor das suas ideias sociais funda a Escola de Homeopatia com objetivo de revelar novos médicos homeopatas.
No ano de 1848 viaja para França e encontra um país revolucionário das causas sociais, e sem intuito de voltar deixa um amigo que o ajuda a divulgar suas ideias e mais tarde adere ao pensamento espírita. Época em que os pensamentos religiosos oscilavam entre o Santo Católico e os rituais indígenas ou africanos. Os correspondentes dos jornais traziam as novidades da Europa e especificamente da França; estas notícias aguçavam os intelectuais que tentavam experimentar na única doutrina cientificamente constituída, o mesmerismo, as respostas para os fenômenos.

Mas é em Salvador que o espiritismo verdadeiramente torna-se religião distanciando do pensamento racionalista de Allan Kardec. O primeiro grupo de estudos definia como principal lema “a caridade acima de tudo”, que levava aos mais necessitados a homeopatia e passes como forma de ajuda (1991). Com a dissidência do primeiro grupo espírita, é criado outro cuja denominação afasta-se ainda mais dos pressupostos do espiritismo francês: Sociedade dos Estudos Espíritas Deus, Cristo, Caridade.
Inúmeros elogios eram colocados pelos atendimentos que esta sociedade realizava, mas a cisão dos trabalhadores místicos e os racionalistas provocam nova dissidência e os místicos mais tarde dão base a Federação Espírita Brasileira. O espiritismo invade as classes baixas como consolador dos sofrimentos e das moléstias; esta ida as classes sociais mais baixas permite que certos espíritas apropiem-se das crenças afros-indigenas-brasileiras.
Esta apropriação define os novos espiritismos no Brasil, e as sociedades de estudos passam a ser chamadas de “Tendas Espíritas” espalhadas por todo território, principalmente no Rio de Janeiro e tinha como objetivo maior, levar alívio à população pobre.
Vários intelectuais da corte aderiram aos estudos espíritas kardecistas, mas mantinham sobre segredos suas pretensões para evitar a perseguição da igreja que era hegemônica e oficial no Brasil. E a condenação do Santo Oficio valia como lei. Políticos influentes tiveram participações importantes na tradução do Livro dos Espíritos que chega ao Brasil como “Filosofia Espiritualista”, isso perturba o clero porque a opinião pública começa a demonstrar interesse por este novo modo de ver as coisas.
 A classe política e outros intelectuais representados por Teles de Menezes solicitava ao Governo a permissão para constituir uma nova religião, alegando que a constituição imperial permitia tal fato desde 1810, liberação dada somente dois anos mais tarde.
Esta permissão gerou no Rio de Janeiro uma avalanche de matizes liberais e menos religiosas em relação ao estado baiano. No Rio de Janeiro os pontos mais preponderantes foram os ideais republicanos e abolicionistas que sofriam interferências francesas e eram indiferentes as posições católicas; isto gerou no espiritismo carioca as cisões por terem que definir o seu estatuto com bases científicas, filosóficas e religiosas.


*Pesquisador da Ciência da Religião e Palestrante

AUBRÉE, Marion; LAPLATINE François. A mesa, O livro e os Espíritos: gênese, evolução e atualidade do movimento social espírita entre França e Brasil. Alagoas. EdUFAL. 2009.
FILHO, Bittencourt. Matriz religiosa brasileira: religiosidade e mudança social. São Paulo. Ed. Vozes, 2003.
ORTIZ, Renato. A morte branca do feiticeiro negro. São Paulo. 2. Ed. Brasiliense, 1991.

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