Por que precisamos repensar a Doutrina Espírita?

Por Edson Gonçalves[1]


“O Espiritismo não se apartará da verdade e nada terá a temer das opiniões contraditórias, enquanto sua teoria científica e sua doutrina moral forem uma dedução dos fatos escrupulosa e conscienciosamente observados, sem preconceitos nem sistemas preconcebidos.”[2]

O kit das “mudanças” traz sua coirmã das “resistências”. E com o advento do espiritismo não foi diferente. O século XIX foi marcado por expectativas, desejos e ansiedades, tanto pessoal como coletiva. Pessoal por ter conhecimentos revolucionários. Coletiva por ter esses conhecimentos à força de mudar uma cultura quer seja intelectual quer seja religiosa.
            E como resultado de tudo isso, emerge uma nova sociedade de saberes mais sólidos. E assim por décadas as mudanças têm sido o pivô de bons e maus momentos. Bons, por permitir que alguns erros do passado sejam reparados, além de ampliar pesquisas necessárias em áreas sociais e religiosas. Na contramão os maus momentos encontra respaldo naqueles que desejam a permanência do seu estado, ou seja, não precisa mudar. Por isso mesmo “mudanças” soa como “oposição” a mim, as minhas ideias e a tudo que me diz respeito.
            E nessa avalanche, chegamos a um momento que repensar a Doutrina Espirita nos parecer ser de bom senso. Ora, com tantos “achismos” ou ideologias retóricas expostas em palestras como se fossem coisas de outro mundo, é o momento de analisarmos mais cuidadosamente e lembrar o Espiritismo dos espíritos. O que diria Kardec ao ver a doutrina dos espíritos sendo transformada na doutrina dos espíritas? Cheias de dogmas, regras, imposições pessoais e uma hermenêutica deficiente.
            Kardec ao codificar a doutrina, tomou o cuidado didático e pedagógico em ficar isento e sempre ressaltar a importância dos ideais de Jesus para a humanidade. Racionalista, Kardec orienta para deixar o Espiritismo e seguir a ciência quando esta provar o contrário da doutrina. Falava da ciência natural, essa que vem de Deus e que a revela aos homens. A fé racional é o ápice que assegura ao espírita a seriedade dos estudos e das suas ações. Não há nos aforismos da doutrina algum posicionamento sobre a imposição de dogmas, regras ou conduta moral; a própria doutrina resume sua máxima ao apresentar o verdadeiro espírita como àquele que se esforça para domar suas más inclinações. Esse modelo, apresentado por Kardec, contraria ao antes exposto. A imposição é nos dias atuais a mais comum e perversa para a doutrina espírita. Afirma Kardec que “Sem dúvida ela pode sofrer modificações em seus detalhes, em conseqüência de novas observações; mas, uma vez adquirido, o princípio não pode variar e, menos ainda, ser anulado; eis o essencial.”[3]
            O Espiritismo esta fundamentado nas orientações da falange da Verdade e por isso não há nenhum abalo em suas estruturas. Mas, no que se refere à Doutrina Espírita, esta está comprometida estruturalmente. E aqui fazemos uma singela distinção do que seria o Espiritismo e a Doutrina Espírita. O primeiro representa a promessa consoladora do divino mestre Jesus, codificado por Allan Kardec e supervisionado pelos espíritos superiores. Enquanto a Doutrina Espírita é a prática do espiritismo pelos seus seguidores.
            Portanto, concluímos que as palavras de Léon Denis em afirmar que o espiritismo será o resultado das ações humanas, é passível de resignificar e compreender que falava ele da doutrina espírita. Está maculada pelos seus principais trabalhadores, alguns com vícios religiosos do passado; configura no seu bojo a desunião, a lei mosaica em vez da cristã, elitista e discriminatória. Urge a necessidade de repensar a Doutrina Espírita a luz das novas ciências e do novo modelo de fé com caridade sem esquecermos-nos da pedra fundamental da codificação consoladora do Espírito de Verdade.



[1] Palestrante espírita e professor em Filosofia
[2] Revista Espírita de fevereiro de 1865, artigo Da Perpetuidade do Espiritismo, § 13
[3] Idem

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