PORQUE DESEJO MATAR MEU FILHO?
por Edson Gonçalves[1]
Nos últimos anos o Brasil tem
realizado campanhas para combater a dengue e suas variações. Notícias mais
recentes trazem um quadro avançado das doenças causadas pelo mosquito da dengue
– como ficou conhecido –, ou seja, mostra o tamanho do problema que vamos enfrentar.
Como se não bastasse, o mundo está envolvido em mais um drama
sócio-político-econômico. Para não fugir da regra, a população pobre é o centro
deste drama.
A mídia tem noticiado os casos de
contaminação pelo Aedes Aegypti, principal vetor e protagonista de uma triste
realidade: o Zika Vírus. O mesmo mosquito da dengue, agora em uma versão mais
atualizada. Com possível origem na África – em regiões mais carentes desse
continente – e se espalhando pelo mundo, tem deixado os governantes de algumas nações
em alerta. A OMS decretou máxima atenção para uma epidemia mundial; já são 103
países contaminados. A cura para o vírus ainda está longe de ser encontrada,
mas os esforços em conjunto das nações acendem uma esperança para controle e
erradicação deste mal. A população que vive em miséria, esquecido pelo mundo rico,
agora tem seus 15 minutos de atenção. Triste ironia!
Com o Zika vírus, outros fatos
sociais surgiram e vêm despertando interesse e polêmica na mídia, são eles: a
microcefalia; o contágio do vírus pelo sangue, urina, esperma, saliva; mortes e
a discussão pelo aborto dos fetos com microcefalia. É sobre este último que
estaremos convergindo o manifesto como repúdio a essa prática.
O censo do IBGE de 2010 revela
que o Brasil ainda é o maior país cristão do mundo com 64,6% católicos, 22,2%
evangélicos, 2% espíritas, 3,2% outras e 8% ateus e agnósticos[2]. Diante
da estatística apresentada, parece que nossa crença em um Ser supremo
ainda é soberana. Como dissemos “parece”!
As igrejas estão divididas quanto
à aprovação ou não do aborto para fetos microcefálicos. Existe uma discussão
entre pais, médicos, cientistas e religiosos sobre a legalidade diante das
evidências na gravidez. Muitos cientistas afirmam que essa deficiência existe há
muito tempo e por isso deve-se ter cautela no diagnóstico; uma parte médica
busca amenizar o trauma ao dar a notícia para os pais, apresentando
alternativas de vida possíveis para a criança, a outra parte concorda com o
aborto e incita falaciosamente tal procedimento. Enquanto isso, os religiosos
estão em cima do muro, como mostra a reportagem que trata sobre o assunto[3].
O Brasil vive um drama, ser
considerado o maior país cristão e a possibilidade da legalidade do aborto para
esses casos. Diante desse paradoxo, perguntamos: Qual o ponto que nos separa do
ideal nazista de Adolf Hitler – que desejava uma raça perfeita – e o desejo de não
ter um filho “não perfeito”? Segundo Hitler:
“[...] Cada animal só se associa a um
companheiro da mesma espécie. O abelheiro cai com o abelheiro, o tentilhão com
o tentilhão, a cegonha com a cegonha, o rato campestre com o rato campestre, o
rato caseiro com o rato caseiro, o lobo com a loba etc.
Só circunstâncias extraordinárias
conseguem alterar essa ordem, entre as quais figura, em primeiro lugar a coerção exercida por prisão do animal ou
qualquer outra impossibilidade de união dentro da mesma espécie. Ai, porém, a
Natureza começa a defender-se por todos os meios, e seu protesto mais evidente
consiste, ou em privar futuramente os bastardos da capacidade de procriação ou
em limitar a fecundidade dos descendentes futuros. Na maior parte dos casos,
ela priva-os da faculdade de resistência contra moléstias ou ataques hostis.
Isso é um fenômeno perfeitamente natural: todo cruzamento entre dois seres de
situação um pouco desigual na escala biológica dá, como produto, um
intermediário entre os dois pontos ocupados pelos pais. Significa isto que o
filho chegará provavelmente a uma situação mais alta do que a de um de seus
pais, o inferior, mas não atingirá, entretanto à altura do superior em raça.
Mais tarde será, por conseguinte, derrotado na luta com os superiores.
Semelhante união está, porém em franco desacordo com a vontade da Natureza,
que, de um modo geral, visa o
aperfeiçoamento da vida na procriação. Essa hipótese não se apoia na
ligação de elementos superiores com inferiores, mas na vitória incondicional
dos primeiros. O papel do mais forte é
dominar. Não se deve misturar com o
mais fraco, sacrificando assim a grandeza própria. Somente um débil de
nascença poderá ver nisso uma crueldade, o que se explica pela sua compleição
fraca e limitada. Certo é que, se tal lei não prevalecesse, seria escusado
cogitar de todo e qualquer aperfeiçoamento no desenvolvimento dos seres vivos
em geral. [...]”[4]
(grifos em negrito nosso).
O texto retrata o pensamento de quem
deseja o melhor para seu povo e sua raça. Sofismático, mas inegavelmente de uma
atualidade incontestável. Hitler parece conhecer a criatura humana e seus
desejos; falava com propriedade para os iguais e era ouvido pelos diferentes. A
perspectiva de uma raça homogênea parte do principio da não contaminação da superior
pela inferior. Por isso, ela, a inferior, deve ser eliminada. Essa linha de
pensamento coincide nos dias atuais; mudamos à carcaça social e mantivemos o
mesmo pensamento nazista do início do século XX. Com o ideal pautado na
exterminação e no construir uma sociedade livre dos escolhos, ou seja, daqueles
que necessitam de cuidados especiais. Cuidados que devem ser exercidos pelos
governos – federal, estadual e municipal –, pelos pais e por todos. As
campanhas lançadas e milhões gastos no combate ao mosquito, não surtem
resultados, por que procuram eliminar os efeitos da doença. Com os desastres
das campanhas, consideram o aborto como a solução mais viável.
O aborto como solução – nessas
circunstâncias – coloca todos que são a favor, no mesmo ideal de Hitler. Muitos
podem rejeitar a ideia desse ideal e encobrir sua consciência, mas no fundo se
identifica com tal nazismo. A pergunta acima para ser respondida requer uma
reflexão, nela encontramos ideais nazistas que externam muito de nós. Corrobora
com o desumano.
O surgimento do Zika vírus não só
comprometeu a saúde pública, como mexeu nas águas turvas do nosso interior.
Interior que guarda os mais íntimos sentimentos sobre o outro, o desconhecido,
o filho. O combate ao mosquito será uma luta árdua para controle e erradicação,
mas a luta contra a consciência de ter praticado o aborto vai durar muitos anos
até hibernar nas águas profundas ou no calabouço da alma. Novos fatos vão
surgir para o despertar da consciência cristã e não cristã. E para solucioná-los
vamos matar novamente? Em pouco tempo as águas e o calabouço se tornarão um
cemitério de culpas e arrependimentos. O levantar da bandeira abortiva para estes
fetos com microcefalia, fortalece o holocausto hebraico (shoá) a exemplo do holocausto alemão. Estamos no limiar do
despertar consciencial para o outro, com o outro e pelo o outro. Não assassine
seu filho nem o filho dos outros.
[1] Especialista em docência superior e professor
de Filosofia.
[3] Ver < http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/mundo/brasil/noticia/2016/02/11/igrejas-divididas-em-caso-de-aborto-por-microcefalia-220677.php
> acessado em 11/02/16
[4] Livro Minha Luta
(Mein Kampf), Adolf Hitler, 1925, pág. 155, cap. XI. No Brasil em 1933 a Livraria
do Globo obteve o direito de publicação, lançando em 1935. Em 2015 a Editora
Centauro traz nova publicação.
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